quinta-feira, 16 de junho de 2011

Olha, Marilia, as flautas dos pastores de Bocage
XI
Olha, Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros brincar por entre flores?
Vê como ali beijando-se os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores.
Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folgas a abelhinha pára,
Ora nos ares sussurando gira:
Que alegre campo! Que amanhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira,
Mais tristeza que a morte me causara.
Lira LXXXI - Nesta triste masmorra de Tomas Antonio Gonzaga
Nesta triste masmorra,
De um semivivo corpo sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura.
Amor na minha idéia te retrata;
Busca extremoso, que eu assim resista
À dor imensa, que me cerca e mata.
Quando em meu mal pondero,
Então mais vivamente te diviso:
Vejo o teu rosto e escuto
A tua voz e riso.
Movo ligeiro para o vulto os passo:
Eu beijo a tíbia luz em vez de face,
E aperto sobre o peito em vão os braços.
Conheço a ilusão minha;
A violência da mágoa não suporto;
Foge-me a vista e caio,
Não sei se vivo ou morto.
Enternece-me Amor de estrago tanto;
Reclina-me no peito, e com mão terna
Me limpa os olhos do salgado pranto.
Depois que represento
Por largo espaço a imagem de um defunto
Movo os membros, suspiro,
E onde estou pergunto.
Conheço então que Amor me tem consigo;
Ergo a cabeça, que inda mal sustento,
E com doente voz assim lhe digo:
"Se queres ser piedoso,
"Procura o sítio em que Marília mora,
"Pinta-lhe o meu estrago,
E vê, Amor, se chora,
"Se, a lágrimas verter, se a dor a arrasta.
"Uma delas me traze sobre as penas,
E para alívio meu só isto basta."
Acaso são estes os sítios formosos (Marilia de Dirceu) de Tomas Antonio Gonzaga

Acaso são estes
Os sítios formosos.
Aonde passava
Os anos gostosos?
São estes os prados,
Aonde brincava,
Enquanto passava
O gordo rebanho,
Que Alceu me deixou?

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Daquele penhasco
Um rio caía;
Ao som do sussurro
Que vezes dormia!
Agora não cobrem
Espumas nevadas
As pedras quebradas;
Parece que o rio
O curso voltou

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Meus versos alegre
Aqui repetia:
O eco as palavras
Três vezes dizia,
Se chamo por ele,
Já não me responde;
Parece se esconde,
Casado de dar-me
Os ais, que lhe dou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Aqui um regato
Corria sereno
Por margens cobertas
De flores, e feno:
À esquerda se erguia
Um bosque fechado,
E o tempo apressado,
Que nada respeita,
Já tudo mudou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Mas como discorro?
Acaso podia
Já tudo mudar-se
No espaço de um dia?
Existem as fontes,
E os freixos copados;
Dão flores os prados,
E corre a cascata,
Que nunca secou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Minha alma, que tinha
Liberta a vontade,
Agora já sente
Amor, e saudade,
Os sítios formosos me agradaram,
Ah! Não se mudaram;
Mudaram-se os olhos,
De triste que estou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.
Tem pesado semblante, a cor é baça (Cartas Chilenas) de Tomas Antonio Gonzaga
Tem pesado semblante, a cor é baça,

o corpo de estatura um tanto esbelta,

feições compridas e olhadura feia;

tem grossas sobrancelhas, testa curta,

nariz direito e grande, fala pouco

em rouco, baixo som de mau falsete;

sem ser velho, já tem cabelo ruço,

e cobre este defeito e fria calva

à força de polvilho que lhe deita.

Ainda me parece que o estou vendo

no gordo rocinante escarranchado,

as longas calças pelo embigo atadas,

amarelo colete, e sobre tudo

vestida uma vermelha e justa farda.
Torno a ver-vos, ó montes de Claudio Manuel da Costa
Torno a ver-vos, ó montes; o destino
Aqui me torna a pôr nestes oiteiros;
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da Côrte rico, e fino.

Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os míseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.

Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Que da cidade o lisonjeiro encanto;

Aqui descanse a louca fantasia;
E o que té agora se tornava em pranto,
Se converta em afetos de alegria.
Ornemos nossas testas com as flores de Tomas Antônio Gonzaga
Ornemos nossas testas com as flores e façamos de feno um brando leito. Prendamo-nos, Marília, em laço estreito, gozemos do prazer de sãos amores. Sobre as nossas cabeças, sem que o possam deter, o tempo corre: e para nós, o tempo que se passa, também, Marília, morre.

A grande César, cujo nome voa de Tomas Gonzaga da Costa

Alexandre, Marília, qual o rio,
Que engrossando no inverno tudo arrasa,
Na frente das coortes
Cerca, vence, abrasa
As cidades mais fortes.
Foi na glória das armas o primeiro;
Morreu na flor dos anos, e já tinha
Vencido o mundo inteiro.
Mas este bom soldado, cujo nome
Não há poder algum, que não abata,
Foi, Marília, somente
Um ditoso pirata,
Um salteador valente.
Se não tem uma fama baixa, e escura,
Foi por se pôr ao lado da injustiça
A insolente ventura.
O grande César, cujo nome voa,
À sua mesma Pátria a fé quebranta;
Na mão a espada toma,
Oprime-lhe a garganta,
Dá Senhores a Roma.
Consegue ser herói por um delito;
Se acaso não vencesse, então seria
Um vil traidor proscrito.
O ser herói, Marília, não consiste
Em queimar os Impérios: move a guerra,
Espalha o sangue humano,
E despovoa a terra
Também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
E tanto pode ser herói pobre,
Como o maior Augusto.
Eu é que sou herói, Marília bela,
Segundo da virtude a honrosa estrada:
Ganhei, ganhei um trono,
Ah! não manchei a espada,
Não roubei ao dono.
Ergui-o no teu peito, e nos teus braços:
E valem muito mais que o mundo inteiro
Uns tão ditosos laços.
Aos bárbaros, injustos vencedores
Atormentam remorsos, e cuidados;
Nem descansam seguros
Nos palácios cercados
De tropa, e de altos muros.
E a quantos nos não mostra a sábia história
A quem mudou o Fado em negro opróbrio
A mal ganhada glória.
Eu vivo, minha Bela, sim, eu vivo
Nos braços do descanso, e mais do gosto:
Quando estou acordado
Contemplo no teu rosto
De graças adornado:
Se durmo, logo sonho, e ali te vejo.
Ah! nem desperto, nem dormindo sobe
A mais o meu desejo.